terça-feira, 6 de setembro de 2011

Huis Clos é o texto em que Jean-Paul Sartre, pela voz da personagem Garcin, afirma que “o inferno são os outros” – uma frase associada ao pensamento existencialista e que sintetiza conclusivamente a ideia desenvolvida nesta peça de teatro. Até então estranhos, e em interacção depois de mortos, três personagens – Garcin, Inês e Estela – evoluem na clausura de um quarto, o local que lhes foi reservado como condenação depois da morte. Nesse contexto de condicionamento mútuo, perpetuam um ciclo de contrariedade e de sofrimento cuja vivência compulsiva não conseguem superar.

Huis Clos is the text in which Jean-Paul Sartre, through the character Garcin, claims that “hell is other people” - a sentence associated with existentialism that synthesizes the idea carried out in this play. Strangers up until then, interacting after their deaths, three characters – Garcin, Inês and Estela – evolve in the enclosure of a room, the place reserved to them as penance after their deaths. In that context of mutual conditioning, they perpetuate a cycle of vexations and suffering whose compulsive experience they cannot overcome.





Fotografias de José Carlos Duarte


texto / text Jean-Paul Sartre tradução / translation mala voadora direcção / director Jorge Andrade com / with Anabela Almeida, Bernardo de Almeida, Jorge Andrade e Sílvia Filipe cenografia / scenography José Capela luz / light design João d’Almeida

sexta-feira, 21 de novembro de 2008


sinopse

Huis Clos (À porta fechada), peça do existencialista Jean-Paul Sartre, trata da necessidade que cada indivíduo tem do “outro” para o reconhecimento social da sua própria identidade. Sartre imagina o encontro de um triângulo de indivíduos circularmente inconciliáveis que, a pouco e pouco, se apercebem que estão condenados a conviver eternamente, no desespero de tentar conseguir encontrar nos outros uma confirmação das suas próprias qualidades. Morreram e este é o inferno a que estão condenados. “O inferno são os outros”, escreve Sartre. Do ponto de vista teatral, e em consonância com o tema do texto, pretende especular-se sobre a ideia de contracena e testar alguns dos seus limites.


pressupostos

cena 1 Como num hotel, Garcin é conduzido por um empregado a um salão de estilo “Segundo Império”, do qual não poderá voltar a sair. Espanta-se com a aparência do salão, que em nada corresponde à ideia que havia feito de inferno.

cena 2 Depois do empregado sair, Garcin afunda-se numa crise de desespero.

cena 3 O empregado regressa acompanhando Inês que toma Garcin por carrasco. Uma vez a sós, não tarda que ambos se revelem reciprocamente incompatíveis.

cena 4 Entra outra mulher: Estela. Como se apenas ali passasse de visita, mantém uma conversa despreocupada e mundana. O empregado previne o trio que não chegará mais ninguém.

cena 5 As três personagens interrogam-se sobre as razões, aparentemente incompreensíveis, que motivaram a sua reunião no inferno. Instigados por Inês, resolvem avaliar as suas faltas, do que resulta o reconhecimento por parte de todos – e por pressão dos outros – da sua comum condição de assassinos. Tentam estabelecer um pacto de compreensão e inter-ajuda, sem êxito. A fuga à consciência não é possível. Um indivíduo não é senão o somatório dos seus actos.

Assim se estrutura Huis Clos, com quatro personagens e um só acto, dividido em cinco cenas. A acção tem lugar no “inferno”, um lugar para além do tempo e do espaço, o lugar onde, após a sua morte, Garcin, Inês e Estela são condenados a sofrer a sua condenação: o reflexo das suas consciências na eterna presença dos outros.


Surgidas em tempo de guerra, Huis Clos (À Porta Fechada) escrita em 1944, como Les Mouches (As Moscas) escrita em 1943, são as primeiras grandes peças de teatro de Sartre e condensam os três temas fundamentais da obra filosófica e dramatúrgica do autor: a responsabilidade, o compromisso político e (como raiz última das anteriores) a liberdade de escolha e de acção.


Vive-se em situações concretas, em contextos cuja especificidade – que inclui os outros – serve de suporte à determinação da escolha. A razão própria não é auto-suficiente e pode até não ser mais do que o apaziguamento auto-complacente da consciência. A capacidade de julgar tem esta implicação: julgamos os outros do mesmo modo que os outros nos julgam a nós, e os outros são a incómoda medida dos nossos actos. (Não há espelhos no salão em que decorre a acção de Huis Clos. Não é oferecida a possibilidade de cada personagem se ver a si própria ou, num sentido alargado, de construir sozinha uma imagem de si própria.) Sendo este pressuposto uma característica da obra de Sartre, o seu teatro é feito, mais de situações do que de caracteres. É em função das circunstâncias que as personagens se vão definindo, não possuindo características absolutas (atributo estabilizado que define o carácter). Deste ponto de vista, a obra teatral de Sartre situa-se na linha dramatúrgica que parte de Strindberg: o debate entre Estela, Inês e Garcin, em Huis Clos, terá começado já em 1889, entre as personagens de Credores: Adolfo, Gustavo e Tekla (o primeiro espectáculo da mala voadora, estreado em Maio de 2003).


concretização do projecto

O método a adoptar para a concepção do espectáculo é o da mais tradicional encenação, ou seja, da criação de uma dramaturgia com base numa “peça de teatro” e nos matizes interpretativos e poéticos desenvolvidos em torno desse texto (ou paralelamente a ele). Tendo em consideração que o tema da peça é a nossa dependência dos outros para o reconhecimento social das nossas características, pretende-se explorar dois tipos diferentes de interlocução: a contracena entre os actores e a interlocução directa com o público. Neste sentido, serão experimentados diversos níveis de isolamento dos actores uns em relação aos outros, bem como dos efeitos que podem resultar do desconhecimento por parte de cada um do tom de interpretação utilizado pelos outros (com quem supostamente estariam a contracenar).